quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Ecomotion Pro 2007: “a maior corrida de aventura da América Latina”

Restaurar a vida profissional e todas as outras facetas do quotidiano, tem sido, desde o regresso da prova, o principal foco para onde foi necessário mobilizar energias, não restando qualquer reserva para digerir as vivências em “Terras de Vera Cruz”. Desgraçadamente, três dias depois fico prostrado com febre e uma bela inflamação da faringe, mas com a consolação de ter sido derrotado por um vírus português; garantia do meu médico.
Hoje isto já entrou novamente nos eixos. Destinei meia hora para escrever um breve relato da minha participação no Ecomotion.
Mais de dez horas de avião não arrefeceram a minha curiosidade pelo país que, desde a 1ª classe salazarista, aprendemos a considerar irmão. Que imaginámos através das aventuras dos bandeirantes. Nos invadiu com telenovelas. Pelo qual torcemos muitas vezes no futebol. Nos choca e apaixona através das leituras de Jorge Amado ou dos filmes de Babenco ou de Meirelles. Nos faz militar na causa ambientalista em defesa da Amazónia.
Os três dias de adaptação, testes e verificações em Armação de Búzios foram mornos, lentos e preguiçosos. Conversas com outras equipas, pequenos almoços demorados na esplanada da “pousada Corsário”, mesmo em cima da “praia dos Ossos”, refeições nos muitos restaurantes de comida a peso.
A grande produção mediática da organização e a fachada turística de Búzios deram-me a sensação de estar num Brasil virtual, só quebrada por momentos quando, já com a nossa equipa de apoio, procurámos um “mercado” para comprar os mantimentos que constituiriam a nossa ração nas transições. Forçosamente, o Alix criou as condições para que pudéssemos observar, durante 3 horas, um pouco desse “arco-íris” que é o povo brasileiro, enquanto esperávamos à porta do “Mercado Princesa” pela sua incursão a Cabo Frio. Só lhe perdoámos porque, como o posto de observação era privilegiado, houve sempre matéria para rir, comemos todos os cajus e castanhas do Pará, e porque as cadeiras e o toldo que comprou vieram a revelar-se muito úteis.
No domingo depois do almoço, tomámos posições no “ónibus” da organização que nos levaria ao Rio, para a partida na praia da Urca, prevista para as 21 horas. Tomei um lugar à janela disposto a aproveitar bem a jornada, já que, na quinta-feira quando nos recolheram no aeroporto internacional, era noite.
O azul do mar e o verde da Mata Atlântica foram as cores dominantes da viajem, mas à medida que nos aproximava-mos da cidade, o cinzento entrou pela janela. A aproximação a Niterói pela BR101 revelou-me algo que nem o “Pixote”, “Carandiru” ou a “Cidade de Deus” me preparou para ver. Não consigo descrever aquela massa de tijolo aglomerada com chapa, qual colmeia caótica de enxame humano.
Também ainda não posso garantir se foi repulsa ou atracção o que senti, talvez um sentimento contraditório; ninguém pode ficar indiferente a tal visão!
Na avenida de Portugal descemos para a praia da Urca, na base do pão-de-açúcar. Como não havia sinais da organização, deambulámos no “calçadão”. Houve quem escolhesse a Pizzaria, eu arrisquei um Acarajé na rua; mas só porque o intestino tem sido tolerante com os meus disparates (curiosidades gastronómicas) e a baiana me prometeu não pôr pimenta.
Quando a baía de Guanabara se acendeu e o sol sublinhava os contornos do Corcovado, o stress tomou a Sarah. Já quase não havia ninguém das equipas e a praia estava vazia, quando surge alguém da organização a chamar os participantes para o aquartelamento do exército contíguo.
Sem nenhuma versão oficial para o impasse, equipámo-nos para partir pelas 23 horas na praia do quartel. Cento e doze kayaks duplos alinhados na areia, iluminados pelos maçaricos de dois balões de ar quente. Um exército de guardiões de tocha acesa. E para completar a encenação apoteótica, surgem do mar dois helicópteros armados de projectores , quando, finalmente soou a partida, tipo Sella.
Eu e a Sarah partimos na confusão, perdendo a posição do K2 do Alix e do Fred. Voltámos ao contacto no PPO (ponto de passagem obrigatória) por baixo da ponte de Niterói; remámos 48 km durante a noite em direcção ao mangue (ou Manguezal) nesta primeira etapa de canoagem.
Olhei agora para o relógio...
Disparate pensar que podia expressar em meia dúzia de linhas a intensidade de dez dias vividos em equipa. Quatrocentos e tal quilómetros a pé e de BTT na floresta tropical.
Descrever a beleza incrível dos parques P. Nacional da Serra dos Orgãos e P. Estadual dos Três Picos, os sons, a chuva, o nevoeiro, o cheiro.
Falar do trabalho de equipa, das arreliadoras bolhas nos pés, das crises. Não teria palavras para vos explicar o modo como o Nelson e o Lucas (o nosso apoio) nos trataram, nem o sabor da comida preparada por eles, o sabor da fruta. E como agradecer o carinho das equipas brasileiras e seus apoios, sempre a incentivar, o oferecer préstimos, a partilhar as Jabuticabas.
Nunca teria tempo nem capacidade para descrever a afectividade e cordialidade do povo brasileiro.
Obrigado também a todos os que que nos enviaram palavras amigas.

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A actualização das etapas vai continuar nos próximos dias.
António Neves

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