sábado, 22 de setembro de 2007

Lisboa - Santiago de Compostela

Esta foi uma daquelas aventuras que surgiram quase que por acaso. A minha ideia este ano era fazer o caminho francês, pois já tinha feito o caminho português por esta altura no ano passado embora num grupo muito grande e com apoios, e assim juntava á experiência da autonomia a hipótese de fazer um caminho que me seduz bastante. No entanto houve alguns imprevistos e a hipótese de fazer o caminho francês foi adiada.

Andava eu já algo desanimado, quando dois amigos me convidaram para voltar a fazer o caminho português, a ideia era ser em completa autonomia e sem nada programado em termos de comida e/ou dormidas, algo que me agradou bastante e despertou muito a curiosidade, pois além do próprio desafio físico em si, estão em jogo características como o espirito de grupo, a capacidade de manter a calma em determinadas situações imprevisíveis e que podem por vezes correr mal, e um espirito minimamente aberto á aventura, entre outros aspectos.

Estes dois amigos, foram pessoas que já tinham alinhado comigo noutras aventuras anteriores, como o Setúbal-Odemira-Querença e já conhecia á algum tempo e são pessoas com quem me identifico muito e era um prazer voltar a pedalar juntos, são eles o João Sousa ( 41 anos) e o David Santos (31 anos), e eu sendo o “puto” com 22 anos.

Foi dois dias antes que decidi que iria alinhar, portanto em termos de preparativos foram quase inexistentes, pedi a estrutura dos alforges emprestados a um amigo, peguei em duas mochilas que usei dos tempos de escola, uma da Montecampo outra da Reebok que infelizmente era menos compacta que a Montecampo e não deu tanto jeito, mas com um conjunto de elásticos com ganchos fiz maravilhas, tive apenas o cuidado para não roçarem nas rodas e que não interferisse com o pedalar. Experimentei pela primeira vez na noite anterior (toda a serie de procedimentos que nunca se deve fazer e não aconselho). Comprei apenas um saco de cama muito compacto que ocupava muito pouco espaço e foi fazer as malas, as ferramentas necessárias para a bicicleta dividimos entre nós para não levar peso desnecessário.



A partida como não podia deixar de ser começa junto á torre Vasco da Gama e foi onde nos encontrámos os três, com alguns precalços a nível de alforges pois no caso deles eram novinhos e nunca estreados, mas lá se conseguiu improvisar e foram todo o caminho sem problemas, já não posso dizer o mesmo dos meus ‘hand made’ que tiveram que ser regularmente inspecionados..

Quanto ao “camino” em si, o inicio não era novidade para nenhum de nós, estou a referir-me ao Caminho do Tejo, que tem por objectivo ligar Lisboa até Fátima, pelo menor trajecto de estrada possível, embora no inicio recomende que se faça pela estrada pois os trilhos junto ao trancão estão muito mal conservados e no inverno ainda pior

Pessoalmente só me sinto mesmo “entranhado” neste caminho, quando estou completamente fora das grandes cidades, e isso só começa a acontecer após Santarém, até lá o caminho é bastante rolante, com algumas partes engraçadas, mas é para mim de facto que a partir de Santarém se começa a entrar no espirito, como o melhor fica para o fim destaco a subida ao Arneiro das Milhariças, com a vista dos Moinhos e a chegada ao Parque de Campismo dos olhos de Agua.



O fim da primeira etapa marcava o fim e o curto inicio de algo que era planeado, como a dormida nas camaratas e o jantar no restaurante ao pé do rio, pois a partir daqui seria uma incógnita, iriamos pedalar até quando tivéssemos cansados ou até ao por do sol e ai iriamos á procura de algum sitio para dormir, pensões e residenciais era algo que estava completamente fora dos meus planos, até porque era eu que carregava com a tenda, eheh.

O segundo dia foi marcado pela passagem a Fátima, e pela bela serra de Aire e dos Candeeiros que nos proporciona vistas lindas, e por algo que começaria a repetir todos os dias, as minhas passagens por mini mercados ou feiras, á procura de fruta fresca e bolos secos para comer durante o dia, aprendi que nunca nunca mais em algo deste tipo irei levar barras mesmo as de proteínas que “substituem” refeições, ou outro género de produtos energéticos, desde comida a bebida, simplesmente não vale a pena e prefiro 100 vezes produtos frescos e naturais, além de ser bem mais barato inclusive.

Também algo que gostei ao longo de todo o caminho é que como todos tínhamos GPS (dado que o caminho de lisboa a santiago não está completamente marcado) teríamos a possibilidade por momentos de ir sozinhos que foi algo que me aconteceu frequentemente, a minha bicicleta era das mais leves (fui mais “contido" na bagagem) e conseguia subir mais rapidamente, embora fossemos sempre em “modo passeio” e para não estar sempre á espera ou a voltar para trás, comecei a isolar-me por breves momentos, depois ficava á espera em certos pontos e seguíamos juntos, embora não fizesse algo deste género sozinho por vezes sabia mesmo bem estar no meio do nada completamente isolado.

Ao fim deste segundo dia, eram 19h da tarde, fizemos uma paragem e deparamo-nos com a questão “onde dormir?” olhávamos para o mato ja a equacionar montar a tenda..até que nos lembramos dos bombeiros, após algumas indicações fomos directos á corporação de bombeiros mais próxima ou seja, de Freixianda fazendo um desvio de cerca de 10km do traçado. Engraçado que nessa mesma noite decorria as festas da vila, e estava la a população em peso, com bailarico e comes e bebes, algo que gosto bastante e ja sabia onde ia acabar a noite.

Fomos muito bem acolhidos, indicaram-nos um salão onde poderíamos pernoitar que estaria livre só para nós, e balneários onde poderíamos tomar banho, de resto poderíamos voltar á hora que quiséssemos pois estão 24h abertos, então fomos directos á festa da vila comer um excelente borrego e participar nas festividades claro!



O terceiro dia, viria a ser marcado por mais raios partidos na roda traseira(já iam em 3!) e muitos furos que nos fizeram atrapalhar bastante e fez com que ficássemos por Coimbra, é pena que algumas partes deste percurso passem por estradas principais, porque fora isso é bastante bonito o percurso, especialmente na chegada a Condeixa a Nova, onde acabamos por almoçar uma vitela que estava espectacular!
Pela primeira vez já muito perto de Coimbra numa aldeia me desejaram “bom caminho”!

Na chegada á Coimbra, mais uma vez acabamos por ficar nos bombeiros, como os voluntários não tinham condições para ficarmos indicaram-nos os bombeiros sapadores e realmente que diferença! O quartel era enorme, e pudemos ficar em num quarto com três camas, ainda jantamos por lá uma comida leve e passamos o resto da noite a falar com bombeiros no bar.



No quarto dia a ideia era chegar ao Porto, ate porque gostava mesmo muito de ter la passado a noite, tenho la amigos e adoro aquela cidade, mas como nestas coisas nunca nada corre conforme planeado( e ainda bem) acabamos por passar a noite em Oliveira de Azeméis, mas antes disso tenho que referir o excelente acolhimento que tivemos em Águeda talvez provavelmente por ser considerada a terra das duas rodas e ate terem uma rotunda alusiva ao uso de bicicleta. Desde os taxistas com quem passamos um tempão a falar, a um dono de um mini mercado que nos foi oferecer melão, ao sr. David que tinha uma drogaria e foi extremamente simpático connosco e nos contagiou completamente pela sua amabilidade. É pena que esta etapa passe por muitas estradas principais também, tem alguns corredores enormes entre complexos industriais..a única parte boa é que passa pela Mealhada e onde tivemos oportunidades de trazer duas sandes enormes de leitão para cada um que estavam deliciosas!




Em Oliveira de Azeméis foi a ultima vez que ficamos numa corporação de bombeiros pois a partir do Porto teríamos albergues, mais uma vez extremamente amáveis, ao ponto de nos oferecerem as próprias camas e dormirem em sofás, foi também nesta cidade que comemos uma das melhores refeições, uma posta mirandesa muito bem servida! Esta viagem começa a mostrar-se também uma excelente rota gastronómica!
Este quinto dia era algo especial para mim, já sabia que pela kilometragem iriamos almoçar pelo Porto e poderia rever uma amiga minha, além disso esta etapa é marcada por varias paisagens lindas, a começar por Santa Maria da Feira, a passar no passadiço de madeira junto á praia ao longo de 15km que une Espinho a Gaia, á entrada para o Porto junto ao rio, é lindo!
Ficámos perto do jardim da Cordoaria onde teríamos hipótese de desfrutar de uma excelente francesinha numa das tascas! Passámos a tarde ainda no jardim e obviamente ainda passamos por alguns ex-libris da cidade.

Por outro lado, lembrava-me perfeitamente que sair da cidade do Porto era o caos! É aqui que começa oficialmente o Caminho Português de Santiago no entanto muitos peregrinos para evitar este caos começam o caminho português em Barcelos ao invés de no Porto, muitos carros, semáforos, confusão generalizada!

Foi ainda nesta etapa que surgiu o primeiro contacto com os albergues – uma novidade para os três, e mesmo por acaso! Eu ia mais atrás e apercebi-me que ao subir uma rua de calçada em Rates (uma aldeia pequenina) estava uma placa num edifico que anunciava o dito albergue, mesmo a horas, pois ja se fazia sentir o escuro da noite!

O albergue superou completamente as minhas espectativas, muito bem cuidado, limpo, com um átrio grande onde estavam expostas varias maquinas agrícolas bem como fotos antigas da época. No rés-do-chão teríamos uma sala especifica para guardar a bicicleta(algo comum em todos os albergues) em que ficaríamos com a chave, uma casa de banho com chuveiros e agua quente, onde cada pessoa fazia a sua manutenção, e se encontrava bastante limpa! É de facto de notar ao longo de todos os albergues o espirito de comunidade e o cuidado que as pessoas têm com as coisas. No 1º andar estaria uma cozinha bem equipada, onde se poderia cozinhar bem como uma sala grande, com sofás e revistas, muitos artigos referentes ao caminho de santiago, e um livro de visitas onde poderíamos escrever dedicatórias. Ao lado estavam três quartos com inúmeras camaratas.




O dia seguinte acabou se calhar por ser o mais marcante, primeiro por termos passado por Barcelos, é sem duvida uma cidade linda e que merece ser mais que revista! Depois por termos conhecido dois companheiros de Coimbra que nos acompanharam ate Santiago, pelo mergulho que tão bem soube na zona de lazer de ponte das tábuas, pela vila de Ponte de Lima, outra de uma inquestionável beleza, onde pudemos apreciar os famosos Rojões pelo almoço, depois, pela excelente sesta junto ao rio Lima, e sem esquecer obviamente o martírio que é subir á Cruz dos Mortos com bicicletas com alforges praticamente sempre á mão, coisa que demorou mais de uma hora! Para finalizar um belo furo, e que nos fez chegar ao albergue de Rufiões pelas 22horas dando origem a um belo nocturno que dificilmente esquecerei, isso..e provavelmente a refeição que nos serviram que dava para uma corporação de bombeiros, eheh.







As ultimas duas etapas, ligaram Rubiões a Pontevedra e esta a Santiago de Compostela, quanto á primeira, é de uma inegável beleza, pena os estradões numa zona industrial, mas fora isso dou uma especial relevância a Valença com uma visita obrigatória ao Forte, e já em Espanha a própria cidade de Tui, com a sua catedral e ruas características, as vistas para o rio já perto de Redondela, a própria vila em si também muito engraçada.

Quando chegamos ao albergue de Pontevedra sentimos bem as diferenças de Portugal para Espanha, em Portugal os albergues estão 24h por dia, por vezes sem ninguém presente a tomar conta, ora..em Espanha é completamente diferente, o albergue em Pontevedra fecha ás 21horas, e é outro tipo de investimento tendo em vista o turismo com condições bem diferentes. Gostei do pormenor num dos quadros “Pontevedra, Capital do Caminho PORTUGUES de Santiago”, eheh. Pelo menos na gastronomia não existe comparação, as tapas não chegam aos calcanhares da comida do norte!





E assim chegava a ultima etapa, uma atenção especial para Padron, o caminho continua a ser muito bonito, alternando em caminhos muito fechados e planícies abertas, nesta etapa curiosamente encontramos muitos Portugueses com quem trocávamos palavras de carinho e apreço bem como desejávamos “bom caminho” mesmo embora o fim se aproximasse. E já agora engana-se quem pense que chegar a Santiago é fácil, continua a haver muitas subidas! É engraçado o facto de que..o caminho esta muito bem marcado a partir do Porto,mas chegamos a Santiago e deixamos de ver setas!


A chegada a Santiago é mítica, curvas após curvas é já nas ruas cheias de lojas e turistas que surge aquela praça e em grande esplendor aquela catedral magistral, é um momento único e inesquecível para qualquer peregrino e é completamente superior ás razões que nos movem até Santiago, seja por motivos religiosos ou não!






4 comentários:

Anónimo disse...

Ainda antes de comentar este excelente relato de aventura, lembro que o autor é o Pedro Padinha. Este jovem companheiro é já uma das promessas no mundo do desporto aventura.

Zen disse...

Pedro

Os meus parabéns. Em alguns momentos da tua aventura pude "rever" a minha nos Caminhos de Santiago ( não, não foi só nas iguarias gastronómicas, eheheheh).
É preciso ter um grande amor à bicicleta e à aventura para "empreender" uma "obra" destas.
Quanto ao resto, para além de "bom garfo", acho que há para aí uma qualquer "veia literária", é que este relato está excelente!

Continuação de muitas como esta.

Abraço.

Paulo disse...

Excelente aventura!! Meus Parabens!!
Gostaria de fazer uma pergunta...O Caminho encontra-se devidamente assinalado com as setas amarelas, principalmente o percurso entre Fátima e Alvaiazere?

Hernani Cardoso disse...

Parabéns
Portugal precisa de ter mais "malucos das bikes " nas estradas desse mundo.

Hernani Cardoso
http://www.hernanicardoso.com